Eta, educação ruim! De quem é a culpa?
Lançando um olhar ao ensino, à instrução; sabemos que a educação é um fator de críticas constantes nos tempos atuais. A expansão do analfabeto funcional - aquele que lê e não compreende o que leu - é avassaladora. Diante deste patamar, caracteriza-se um problema grave em nosso país: a falta de produção de conhecimento crítico.
Para realizar esta produção é necessário mais do que saber, é preciso raciocinar. Afinal todos os seres possuem seu pathos e através deles realizam suas atividades de sobrevivência no mundo. Porém, só o homem é capaz de fazer sua inteligência debruçar sobre si mesma para tomar posse de seu próprio saber, avaliando sua consistência, seu limite e seu valor. O homem sabe que sabe e reflete sobre este saber; a isto chamamos de consciência. Mas, vivemos um momento intrigante, a prevalência da ignorância.
As escolas, por vários motivos de infra-estrutura, não dão conta de uma educação de qualidade. O governo e as universidades só se preocupam em formar técnicos para abastecer o mercado de trabalho. A família desestruturada não ensina a importância de aprender. Os meios de comunicação, em sua maioria, tornaram-se alienadores a serviço do poder e em busca de ibope. E as pessoas, denominadas de “massa”, são os marionetes neste processo de degradação da consciência. Estes dados são colaboradores para termos hoje um homem oco, vazio, sem conhecimento, sem identidade. Este homem não produz crítica, não argumenta, não raciocina; ele foi tolhido de um direito primordial: liberdade de pensamento. Tudo o que este indivíduo escreve é pautado no senso comum; juízos frágeis sobre determinados assuntos. Opiniões que foram repetidas irrefletidamente no cotidiano até se tornarem exatas e que podem ser perigosas se consideradas verdadeiras. Elas podem estar carregadas de idéias falsas, parciais ou preconceituosas. Outras podem até revelar profunda reflexão sobre a vida, como os saberes populares. No entanto, a todas elas falta fundamentação sistemática. É aí que nosso aluno produz pensamentos sem coesão e sem coerência. Primeiro porque não desenvolveu sua consciência crítica, depois por não ter adquirido conhecimentos básicos gramaticais para se expressar claramente. Um exemplo disto são as redações do vestibular, cheias de erros gritantes, desinformação, pensamentos soltos, sem nexos e crenças vergonhosas.
São produzidas por alunos finalistas do Ensino Médio, que não sabem ler nem escrever com propriedade. Não pesquisam, não conhecem poesia, arte, literatura, história, valores... Elementos essenciais para se argumentar e elucidar um pensamento, uma idéia. Perderam a curiosidade, o questionamento, a consciência. Estes futuros profissionais são incapazes de olhar o mundo de forma científica / filosófica, buscando compreender o que são as coisas. Assim sendo, concluímos que essa incapacidade duplica em se tratando de olhar o mundo de forma crítica, avaliando e questionando esta realidade.
Diante de tal situação perguntamos: o que aconteceu com a Escola? Afinal ela é a instituição especificamente organizada para transmitir seletivamente a herança cultural à sociedade. Seus conteúdos são arcaicos? Faltam professores especializados? Está difícil concorrer com os games, a TV, as drogas e a internet? Será ela a única culpada pelo péssimo resultado educacional em nosso país? Sabemos que todos esses problemas existem; no entanto, não podemos esquecer que a maneira como a escola está organizada é o resultado da organização da sociedade como um todo. Isto significa que uma sociedade sem ética, sem ethos, corrupta e violenta é o quadro de um povo sem sabedoria. O que estamos aprendendo nas escolas não é sabedoria de vida. Estamos aprendendo, e mal, tecnologias, estamos acumulando informações. No filme Sociedade dos Poetas Mortos, o professor diz aos alunos: “Medicina, engenharia, física, química são coisas excelentes. Não podemos viver sem elas. Elas nos dão os meios para viver, mas não são capazes de nos dar razões para viver”.
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Dentro das Universidades as coisas não são muito diferentes, há uma relutância de parte da administração acadêmica em indicar os valores de vida de seus assuntos. Nos conteúdos abordados dentro das ciências, e isso inclui antropologia, lingüística, o estudo das religiões e assim por diante, há uma forte tendência à especialização. E a especialização tende a limitar o campo de problemas de que o especialista se ocupa. Assim ele não amplia seu olhar para problemas que são mais genuinamente humanos do que especificamente culturais. Isto porque a sociedade contemporânea está caracterizada pela valorização das ciências e tecnologias num âmbito tão profundo que o homem afastou-se de si mesmo. A educação centrou-se nas ciências, e os sujeitos ficaram com dificuldade de sentir, perceber, refletir e expor expressivamente suas idéias, seus sentimentos, suas informações. O homem não interage mais com a realidade. Em virtude desta situação temos vários trabalhos acadêmicos que não possuem, como dizia em suas aulas a Professora Jacirema Chacon, “uma concatenação perfeita entre as diversas frases, sempre em busca de uma unidade de sentido.” Isto é, as pessoas redigem sobre um conhecimento adquirido no cotidiano sem uma análise precisa, coerente e sistemática. A atual “formação” dos indivíduos, torna-os alheios à importância de se produzir pensamentos transgressores sobre nossa realidade. E isto empobrece o indivíduo e o meio em que ele vive, empobrece a qualidade de sua vida.
Outra forte instituição a ser pensada é a família, pois ela tem a maior influência na formação do indivíduo. Ela pode ser definida como um agrupamento social primário, pois é o primeiro ambiente a que pertencemos. Porém, esta instituição tem passado por constantes mudanças, principalmente após a Revolução Industrial, criando um novo padrão familiar. Atualmente temos: o divórcio, mulheres sustentando o lar enquanto o homem cuida da casa, o abandono de crianças, a competitividade no emprego que faz os pais não darem atenção aos filhos, alguns homens ou mulheres optando pela produção independente e até por não ter família. Contudo, no meio de tudo isso, a responsabilidade de quem escolheu ser pai ou mãe tem de ser assumida na íntegra. É fácil para os progenitores culparem a escola e os professores pelo fraco desempenho de seus filhos e não analisarem sua própria conduta. Pois a maioria dos pais não ensina os valores da vida, são alheios; acham que educar é levar ao colégio, dar casa, comida, roupa e transporte. Humanos não se criam assim, não são cachorrinhos de estimação nem bichinho de pelúcia; eles vão desenvolver seus próprios valores se não tiverem um como parâmetro. Assim, se formam gangues com suas próprias leis, que na maioria das vezes diverge das leis do país, da sociedade. Por isso temos crianças e adolescentes pobres ou ricas, matando, roubando, desrespeitando etc. Ter uma família é mais do que ser gerador, é ter a responsabilidade de desenvolver o melhor de outro ser. Sem um trabalho familiar é impossível a escola educar sozinha.
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Mais um gravame é a influência e o interesse da classe dominante (como o governo, as corporações, a religião e os meios de comunicação) de difundirem modelos prontos à sociedade, onde todos são levados a ter as mesmas idéias, desejos, modos de vida etc. De maneira desavergonhada, em nome de uma falsa democracia ou do lucro a qualquer preço, injetam todos os dias, ideologias massificadas e alienantes na mente das pessoas. Essa deformação da consciência produz uma sociedade cega. E talvez como nas tragédias gregas, terminemos como Édipo, que furou os dois olhos por acreditar que ambos não o faziam ver com clareza. Ele não enxergou a cruel realidade estampada diante de seus olhos. Por isso não a “estranhou”. Refletir é estranhar as verdades absolutas, é estranhar o que nos parece habitual.
Por isso acreditamos que o homem está à deriva; a comprovação disto é o pouquíssimo conhecimento desenvolvido nas instituições de ensino. É o Estado de violência que vivenciamos. É a miséria que desfigura o corpo e a alma. A mente do estudante está cheia de desacertos, deslizes, equívocos; os alunos não possuem ciência. Diante da dificuldade muitos não se empenham em vencer o desafio, estudam com superficialidade. Apenas uns poucos adquiriram o conhecimento necessário para produzir teses. E por quê? Como dissemos acima, há problemas nas escolas, nos professores, nas famílias, no governo etc. Mas na verdade, é uma responsabilidade de todos. Educar precisa ser um compromisso da nação. É muito fácil jogar a responsabilidade nos outros e não colaborar na melhora deste processo. Isto mostra o quanto nossa sociedade é antidemocrática, pois todos têm a responsabilidade de ampliar o saber, mas não é isto que acontece na prática.
Aos que aceitaram o desafio de aprender, certamente cresceram intelectualmente, não se acomodaram com poucos aprendizados técnicos, considerados suficientes para a sobrevivência. Já dizia Albert Einstein: “O pensamento científico tem um olho aguçado para métodos e instrumentos, mas é cego quanto a fins e valores. Fruto do intelecto, a ciência pode determinar como as coisas são, mas não o que devem ser.” No fundo nossa possibilidade de erudição está limitada, tornamo-nos apenas uma peça na fábrica capitalista mundial. E se isto não mudar pereceremos, pois já vivenciamos a decadência intelectual e humana. Para retomar o caminho vivificador do conhecimento e da dignidade é importante que as pessoas se expressem com nitidez, com encadeamento lógico, com o poder do verbo. Assim, sua mensagem será ouvida e ampliada no orbe, será transformadora, libertadora; enquanto aquele que não tem saber passa despercebido, não ecoa no espaço, é estéril.
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Afinal o pensamento crítico tem a importância de transgredir o supérfluo, para denunciar, para construir, para viver. E quando realizamos tal empreitada vemos muito mais do que as coisas aparentes, nós pensamos, sentimos e recriamos nosso cotidiano. Nós acendemos humanamente, amadurecemos nossa alma. Contudo, isto só é possível quando temos o domínio da palavra, da leitura, da reflexão; só assim expressaremos nossos pensamentos ou idéias com lucidez; como também pensaremos criticamente nossa realidade, nosso mundo. Tal tarefa é difícil para um povo que é influenciado a não estudar, não entender, não decifrar, não interpretar, não se sensibilizar. O controle do Estado sobre o homem é tão forte e dissimulado, que nem percebemos que somos manipulados. Mas há resistência, há gente meditando, discorrendo, cogitando, imaginando e sonhando o meio em que vivemos. E uma das maneiras magníficas de se realizar tal feito é através da filosofia e da arte.
Uma nasceu da racionalidade, a outra da sensibilidade, mas ambas tem a capacidade de questionar e denunciar esse processo de “colonização” da vida humana. Denunciar o automatismo e o mecanicismo de uma ordem social imposta pela classe dominante; e conseqüentemente, apontar caminhos e possibilidades de voltarmos a ser uma coletividade mais justa e livre.
*Atriz, professora de Filosofia e diretora de teatro
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