domingo, 16 de março de 2008

Por amor à Amazônia, por amor à vida

Pesquisadora Elisa Wandelli dedica-se integralmente às causas sócioambientais, na esperança de ver vida, em um planeta que parece agonizante.



Por Joanne Régis

“Fica decretado que agora vale a verdade. Agora vale a vida, e de mãos dadas, marcharemos todos pela vida verdadeira. Fica decretado... que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, abertas para o verde onde cresce a esperança”. A poesia de Thiago de Melo descreve bem a história e os sonhos da ecóloga Elisa Wandelli. Pesquisadora da Embrapa Amazônia Ocidental, ambientalista, professora, membro da equipe de Philip Fearnside e filha adotiva do Amazonas, Ela tem dedicado sua vida à causa ecológica. Nascida em Santa Catarina, Elisa vive em Manaus há 24 anos, tem três filhos caboclos e vê na luta pela natureza a expressão de amor pela humanidade.
Segundo a pesquisadora, para que as próximas gerações usufruam da natureza, “um novo paradigma tem que ser assumido, uma substituição radical das estruturas sociais e materiais existentes em nossa sociedade extremamente consumista”, afirma. Se de um lado a concentração de renda é um dos fatores agravantes dos problemas ambientais e sociais, por outro, o planeta não se sustentará se toda a humanidade adotar os padrões atuais de consumo.
Atualmente, Elisa está em fase final do doutorado em Ecologia pelo Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), abordando aspectos ligados ao uso da terra em comunidades rurais e sua relação com as mudanças climáticas globais. Também tem estudado alternativas agroecológicas sustentáveis para que as comunidades rurais possam preservar os serviços ambientais e, ao mesmo tempo, melhorar sua renda e qualidade de vida.
Em sua tese, Elisa está avaliando o desmatamento do Assentamento Tarumã-Mirim e o seqüestro de carbono dos diferentes sistemas de uso da terra adotados pelas comunidades. Elisa está propondo uma metodologia de monitoramento de seqüestro de carbono que as próprias comunidades poderão utilizar para valorar e obter retorno econômico por seus serviços ambientais. Procurando entender as causas do desmatamento, propõe alternativas e futuros cenários onde o desmatamento e a emissão de gases de efeito estufa são minimizados, resultado do pagamento dos serviços ambientais e da maior eficiência e produtividade das culturas agrícolas.
Seu trabalho de pesquisa é acompanhado de uma preocupação de fornecer retorno para a comunidade através de troca de saberes, cursos, oficinas e implantação de sistemas agroecológicos demonstrativos. A região do Tarumã-Mirim, além da relevância para o turismo ecológico, tem influência crucial na qualidade da água que abastece Manaus, pois os igarapés Tarumã-Mirim e Tarumã-Açu, que drenam todo o assentamento deságuam a montante da cidade. Se a taxa de desmatamento e o mau uso da terra continuar nas condições atuais, a qualidade de vida e a vocação turística das comunidades assentadas e de Manaus irão diminuir.

Por que escolheu a Amazônia para viver?
Aos dezesseis anos já havia tomado a ingênua decisão que estudaria e trabalharia na Amazônia. Ainda fiz pouco do que sonhei e sonho, mas minha dívida fica cada vez maior com a Amazônia, por tudo que ela tem me ensinado. Presunçosamente já me considero “baré” porque adoro todos os hábitos e conhecimentos tradicionais. Quando vou visitar meus pais, em minha outra terra (Florianópolis) tento também fazer algumas ações ambientais para não ficar com a consciência muito pesada de ver todos os recursos naturais da ilha sendo deteriorados tão rapidamente.

Em que o Brasil errou ou tem errado em relação à Amazônia?
Faltam políticas públicas mais eficazes para que o amazônida possa utilizar, sustentavelmente, os recursos naturais. A principal falha é o pouco empenho na capacitação para a sustentabilidade em todos os níveis, no técnico, na graduação, na assistência técnica, na educação formal e informal, e principalmente, na educação básica rural que não são voltadas para as realidades amazônicas. Os governos federais e estaduais também têm errado na aprovação de projetos de grande impacto sem que haja uma governabilidade suficiente para minimizar os efeitos negativos como a BR-163, a BR- 319, a hidrelétrica do Madeira e a desnecessária ponte sobre o Rio Negro.

Qual sua opinião sobre o Bolsa Floresta?
É o primeiro avanço para a concretização do sonho de vermos as comunidades amazônicas que preservam a floresta ter compensação pelos serviços ambientais que prestam à humanidade. No entanto, considero que o Bolsa Floresta deve ser ampliado não só para outras Unidades de Conservação (UC), mas principalmente para as famílias rurais que não vivem em UCs, como os assentados da reforma agrária que paralisaram o desmatamento de suas florestas ou reflorestaram suas reservas legais. Para que isso ocorra, o uso da terra pelas famílias teria que ser monitorado e, principalmente, teria que haver um grande programa de capacitação e extensão rural para que as famílias sejam capacitadas a manejar os recursos florestais e manter a floresta em pé.

Mesmo preservando a Amazônia, o aquecimento global vai ocasionar impactos para a região?
Sim, apesar de a Amazônia influenciar o clima global devido sua grande biomassa vegetal permitir um grande estoque de carbono e grande troca de gases, água e energia com a atmosfera planetária, ela também é influenciada por outros componentes atmosféricos e bióticos do planeta, como a temperatura das águas do Oceano Pacífico. O aumento da temperatura e a provável diminuição do regime de chuvas na região provocada pelo aquecimento global savanizariam a floresta amazônica, ou seja, haveria um ressecamento da floresta e o domínio de espécies vegetais tolerantes ao estresse hídrico e de menor porte, em substituição à vegetação tropical úmida atual.

Quais seriam as alternativas para o desenvolvimento da Amazônia com menores impactos ambientais?
Temos trabalhado na Embrapa com sistemas agroflorestais que é um uso da terra dominado por árvores com uma série de práticas agroecológicas que permitem a recuperação de áreas degradadas e o uso permanente da terra, sem a necessidade de novos desmatamentos. Trabalhamos também com alternativas para transformar as capoeiras em áreas agrícolas sem precisar queimá-las. Todas são práticas que somam os saberes tradicionais com a ciência. Porém, estas práticas precisam ser acompanhadas de assistência técnica, organização comunitária e todas as políticas públicas necessárias para a comercialização e capacitação comunitária.

Qual sua opinião sobre os resultados da Conferência do Clima de Bali?
A reunião da ONU sobre mudança climática apresentou avanços, sendo que para os ambientalistas o maior ganho foi a aprovação de um artigo que possibilita o aproveitamento de mecanismos de mercado para recompensar reduções de emissões por desmatamento e degradação em florestas de países em desenvolvimento.
É uma maior possibilidade de termos mercado para o pagamento de seqüestro de carbono ocasionado pelo “desmatamento evitado” e esta é a oportunidade que faltava aos pequenos agricultores dos países em desenvolvimento de serem recompensados pelos serviços ambientais que prestam. O acordo anterior só permitia participar do mercado oficial de carbono aquele seqüestrado por florestas plantadas em áreas desmatadas antes de 1990. Este condicionante beneficiava mais latifundiários, já que comunidades rurais tinham maior vocação para estocar carbono nas florestas de suas reservas legais do que em florestas plantadas.
O encontro foi feliz também porque, finalmente, os Estados Unidos cederam à pressão do mundo todo e aceitaram o acordo. No entanto, as metas estabelecidas de redução de emissões são muito inferiores ao que a ciência exige para reverter a tendência climática mundial e garantir que a humanidade possa viver com qualidade. A meta de desmatamento estabelecida pelo Brasil de 19 mil quilômetros quadrados ao ano é um patamar muito alto não condizente com o exemplo que o mundo precisa ter do país detentor do maior estoque de carbono florestal do planeta. Cidadãos do mundo deverão fazer e exigir de seus governantes muito mais do que o Protocolo de Kyoto estabelece se quiserem reverter a tendência de mudanças climáticas do planeta. Não temos tempo a perder. É fundamental trocar a matriz energética para reverter as mudanças climáticas, mas me preocupo com o risco que a humanidade sofre por utilizar terras férteis para a produção de energia, como o biocombústivel e não para resolver o problema da fome no mundo.

Você é uma pessoa contestadora, faz denúncias, participa de debates. Qual sua maior decepção na sua luta pelo respeito à natureza?
Fico muito frustrada com o desmatamento da floresta, por não trazer compensações sociais aos amazônidas e provocar impactos a nível local e global. É muito triste ver o homem do interior vir para as cidades e morar em condições ambientais completamente degradadas sem nem ter consciência de suas perdas e misérias, pois a vida urbana é o ideal para uma sociedade onde o rural, o florestal e o indígena não são valorizados. O aterramento dos igarapés de Manaus também me chocou bastante, senti que a infância de todos foi apagada da memória. Mas fico mais decepcionada ainda quando os órgãos ambientais oficiais e até a Justiça Estadual não atendem o clamor comunitário em prol do meio ambiente e se posicionam a favor dos empresários que provocam os danos ambientais. Mesmo assim, continuo com a esperança de que a ética, o amor pela natureza e pela vida vai prevalecer em todos nós.

Um comentário:

Silvia disse...

Olá! Chamo-me Silvia e trabalho para a revista ComunitàItaliana (www.comunitaitaliana.com). Muito boa essa matéria com a Elisa Wandelli. Estou precisando falar com ela a respeito da ascendência dela, uma vez que estamos produzindo uma reportagem sobre o naturalista italiano Domenico Vandelli. Vocês sabem me dizer como contatá-la? Meu e-mail é comunicacao@comunitaitaliana.com.br Obrigada pela atenção.