domingo, 6 de abril de 2008

TU NUNCA SERÁS LIVERPOOL

Por Tabajara Moreno

Banhar-se nas águas da chuva é uma ótima recordação que tenho da infância. À época, a iminência de um temporal era motivo para comemorações, pois era um momento para brincar com os amigos. O tempo passou, não tenho mais tantos amigos; não me divirto tanto; e faz muito tempo que não tomo banho de chuva, principalmente porque não sou mais tão receptivo a ela.
Outro dia, depois de mais uma intensa noite de temporal, quando estava a caminho da faculdade, deparei-me com o estrago proporcionado pela chuva. Do ônibus avistei uma casa que fora arrastada pela violência das águas. Claro, não era um acontecimento inédito, principalmente se se considerar o histórico de desabamentos e catástrofes geradas pela chuva na cidade, exibidas na televisão.
Entretanto, o que estava diante de mim não era um espetáculo televisivo e sim uma realidade social. Minha percepção do fato não estava emoldurada pela linguagem dos meios de comunicação. A casa destruída no leito do igarapé, móveis, brinquedos, uma infinidade de objetos que pertenciam aos moradores do casebre, constituíram uma cena lamentável que me proporcionou momentos de angústia pela situação de tais famílias e questionamento quanto aos rumos da cidade quanto a questão ambiental.
Diante de tamanha tragédia humana parece frio pensar no aspecto ambiental do fato, mas minha percepção dos acontecimentos não é fria e sim racional. Partilho da crença de que a racionalidade revela aquilo que buscamos.
O crescimento e a falta de planejamento urbano proporcionam estas situações onde cidadãos, por hábito cultural ou ausência de melhores oportunidades de moradia, residem as margens de igarapés pondo em risco suas vidas.
Na cultura amazônica, o ribeirinho é uma figura presente. Entretanto, com o processo de urbanização da região, o ribeirinho encontra-se deslocado no espaço físico da cidade. Não há mais condições seguras que permitam sua residência nas proximidades dos igarapés. A poluição dos igarapés é prejudicial a saúde do ribeirinho à medida que as águas são redutos de doenças, e ao mesmo tempo, é um risco para a sua segurança, quando a violência das águas arrasta tudo o que vê pela frente.
Manaus é uma cidade em desenvolvimento. E este desenvolvimento precisa ser controlado e planejado priorizando a questão ambiental. Não somente porque ela tem se tornado pauta dos jornais e governos, ditos comprometido com estas causas, mas porque vivemos numa região marcada pela pluralidade ambiental. Temos o dever de manter esta biodiversidade.
Não se trata de hostilizar São Pedro, mas de repensar nossa organização física no meio ambiente do qual não somos proprietários e sim inquilinos. A reestruturação organizacional da cidade não deve primar pela supressão do ambiente natural dos arredores dos igarapés e sim o contrário. Não defendo a urbanização dos igarapés, pois eles não são urbanos, são essencialmente naturais, e essa essência deve ser preservada.
É ocasião de se criar uma legislação ambiental que delimite uma área de preservação ambiental em torno do igarapé. É momento de se pensar que os igarapés não são problemas a uma cidade urbanizada, mas sim uma perspectiva.
Pensem comigo, os inúmeros igarapés da cidade estão em estágio avançado de poluição, recuperar efetivamente estes locais não é barato. Mas da maneira como estão fazendo, estão gastando dinheiro de maneira inadequada, pois o essencial não estão pensando: a criação de uma rede de esgotos na cidade.
Os igarapés não são esgotos, ou pelo menos não devem ser, são igarapés. Local de recreação, sociabilidade, turismo. Esta deve ser a visão dos investidores. Uma cidade entrecortada por igarapés, que poderiam ser balneários, pontos turísticos, se vê preocupada com o que fazer com esses igarapés, é ridículo.
Estamos negando os igarapés, como negamos o rio, para o qual estamos de costa. Tomemos cuidado para que eles não nos neguem.

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