sábado, 3 de maio de 2008

Deu a Louca na Chapeuzinho e a Filosofia

Por Luiz Guilherme
O bom filósofo vive se surpreendendo com algo. Até no ato de ir ao cinema (ou alugar um DVD) assistir um filme qualquer.

Este filme de animação, que a príncipio pararece querer apenas entrar nas onda das paródias dos contos de fadas (como Sherek), nos leva a pensar. Sim, é um filme voltado para o público infantil, mas traz, no seu roteiro bem bolado, uma discussão filosófica. Por isso, pode agradar crianças e adultos.
A história começa com a clássica cena do Lobo mau fantasiado de vovozinha, traçando aquele velho diálogo com Chapeuzinho Vermelho - que olhos, que boca, que mãos grandes você tem etc. A verdadeira vovozinha sai do armário amarrada, o Lobo se revela, Chapeuzinha foge desesperadamente e o Lenhador entra heroicamente no quarto. Porém, o que parecia ser mais uma reprodução da história original, com algumas pitadas de comédia e paródias de cenas de filmes celébres, surpreendentemente, acaba tomando um rumo diferente da historinha que conhecemos. A polícia entra em cena e os três personagens principais do clássico dos contos infantis passam a ser suspeitos de um crime: o roubo em série de receitas de doces dos habitantes da floresta. Eis que surge o inspetor Nick, um sapão de pernas longas e finas, para tentar desvendar o mistério e encontrar a verdade.

Ele interroga o Lobo, o Lenhador, a Vovó e a Chapeuzinho, e cada uma das personagens dá uma versão diferente do mesmo fato. Diante de tantas "verdades", o inspetor toma uma atitulde filosófica: inquieta-se e recusa-se a aceitar uma versão, e vai insaciavelmente em busca da fidedigna verdade. Nick podia muito bem ter seguido o caminho do senso comum e ter matado a charada apenas ouvindo o depoimento de Chapeuzinho Vermelho (teoricamente a vítima da situação, por ter sido perseguida pelo Lobo), mas não, e é a partir dessa recusa que ele começa sua árdua investigação.

A atitude filosófica do inspetor Nick começa com seu espanto diante do enigma que está na sua frente. Dominado por dúvidas ante a diversidade de versões, analisa com rigor os depoimentos dados pelos suspeitos; as divergências e ambiguidades no discurso de cada um.

Não satisfeito com o que obtém, investiga mais e acaba descobrindo, não só o "criminoso", mas características marcantes - e divertidas - da personalidade dos suspeitos.

Descobre-se, então, que o Lobo é um repórter investigativo, que disfarça-se para investigar o caso dos roubos das receitas; a Vovozinha é praticante assídua de esportes radicais; o Lenhador é um ator frustrado; e Chapeuzinho Vermelho não é essa menina ingênua e indefesa que todos pensam.

Mesmo diante da pluralidade, o inspetor Nick acha uma semelhança nos relatos e, a partir daí, ele desvenda o crime. Logicamente orgulhoso por ter desvendado o mistério, o inspetor fala uma frase interessante à imprenssa da floresta, ele diz: "quando uma árvore é derrubada na floresta, temos pelo menos três visões: a sua, a minha e a da árvore". A frase já diz tudo: O conhecimento filosófico não é exata como a matemática, pelo contrário, ela nunca se fecha, sempre há e haverá dúvidas e questionamentos. A partir da fala da personagem, entendemos o porquê de tantas correntes filosóficas, opiniões, visões de sociedade do dia a dia, da atuação do governo federal etc. O plural faz parte do ser humano. Não somos robôs, por mais que idéias e conceitos queiram nos padronizar.

O filme, ao mesmo tempo que diverte, nos passa uma lição prática: atalhos nem pensar, é melhor problematizar para não tomar decisões precipitadas e assim cair nas armadilhas do senso comum. Se agirmos como o inspetor Nick sempre vamos além, chegaremos a novos resultados, ou dúvidas, e vamos embora nessa viagem sem fim chamada filosofia.

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