Por Luiz Guilherme
Sem dúvidas, a música é um poderoso instrumento de contestação. A Ditadura Militar (1964-1985), no Brasil, foi duramente criticada através de canções Nas entrelinhas, é claro, pois criticá-la abertamente poderia custar o pescoço de alguém.
O musical Hairspray – Em Busca da Fama (2007) não tinha a necessidade de fazer isso no século XXI, mas faz duras críticas ao racismo e idealismo norte-americano, através de danças e músicas animadas. Não que seja ruim, muito pelo contrário. Mesmo assim, o filme teve uma recepção fria nos cinemas quando estreou em julho do ano passado. Talvez porque os musicais já não despertam tanto interesse como antes, e também porque boa parte dos espectadores já estão acostumados a assistir, nas telonas, filmes recheados de efeitos especiais. Até os camelôs não deram muita atenção. De todos os lançamentos do ano passado, Hairspray foi o único que eu não vi nas bancas ou sendo anunciado aos gritos pelos piratas.
O filme se passa nos anos 60 na cidade norte-americana de Baltimore, onde vive a gordinha Tracy Turnblad (Nikki Blonsky, sua estréia nas telonas), que sonha em fazer parte do elenco do programa de televisão "The Corny Collin Show", sucesso absoluto entre os jovens da cidade. Na companhia de sua melhor amiga Penny Pingleton (Amanda Bynes) ela faz de tudo para alcançar seus objetivos – também é apaixonada por Link Larkin (Zac Efron, do sucesso adolescente High School Musical), o galãzinho do programa -, mas terá que se esforçar muito para mostrar para todos que é mais do que uma menina gorda e baixinha. Tarefa nada fácil numa sociedade com rígidos padrões de beleza. Para isso, ela, literalmente, rebola muito. E, através de seu jeito diferente de dançar, consegue realizar seu sonho, mesmo contra a vontade da preconceituosa diretora do programa Velma Von Tussle (Michelle Pfeiffer ). Entretanto, Tracy ver de perto o preconceito racial na TV e, por ter amigos negros, acha injusto que eles tenham espaço na televisão apenas uma vez por mês, chamado pelo apresentador Corny Collins (James Marsden), na música de abertura de seu programa, de “Dia do Negro”. É o único dia em que eles podem mostrar seus talentos na TV. O discurso de Tracy de igualdade racial, porém, vai desagradar a muitos. E, por isso, passará a ser perseguida por, supostamente, pregar o Comunismo. Nada estranho nos Estados Unidos dos anos 60, em plena Guerra Fria, onde tudo que cheirava a foice e martelo deveria ser eliminado imediatamente.
O interessante é que temas sérios são abordados com muito bom humor. Tudo em Hairspray é caricatural. Com exceção da cena da passeata promovida por Motormouth Maybelle (Queen Latifah) para protestar contra a proibição definitiva da aparição dos negros na TV, onde ela canta a canção I Know Where I've Been (Sei onde eu estive), praticamente não há cenas sérias ao extremo.
O musical é uma refilmagem de Hairspray- E Éramos Todos Jovens (1988) do diretor Jonh Waters, um dos cineastas mais conhecidos do cinema alternativo norte-americano. A diferença é que na primeira versão as críticas eram explícitas; no remake elas estão mais sutis, porém, com o mesmo teor. Quem assume a direção desta vez é Adam Shankman, diretor de A Casa Caiu (2003). Vale destacar também que o filme rendeu um musical na Broadway em 2002 e faturou no ano seguinte o prêmio Tony de melhor musical.
Hairspray é muito mais que assistir Jonh Travolta fantasiado de mulher obesa, interpretando Edna, a mãe de Tracey (interpretada pelo travesti Divine, morto em 1988, na primeira versão), embora todas as mídias que anunciaram o filme deram um destaque considerável a isso. Não é para menos, até porque é o retorno de Travolta aos musicais (gênero que o levou ao estrelato) encarnando um personagem, digamos, desafiador. E tem uma ótima atuação. Aliás, o ator de 53 anos mostra que ainda tem muito fôlego para dançar, mesmo embaixo de muito enchimento e maquiagem.
Com visuais coloridos (a começar pelo cartaz) e contagiantes números musicais, o filme consegue passar a sua mensagem. Infelizmente, Hairspray, um filme genuinamente musical, não recebeu uma indicação sequer ao prêmio de melhor canção original no Oscar desse ano. Diferente do “frufru” Encantada (2007) da Disney, que recebeu nada mais nada menos que três indicações. Por que será? Porque Jonh Walters é um crítico feroz da sociedade norte-americana? Bem, podemos pensar em mil motivos, mas uma coisa é certa: a verdade dói, mesmo que seja dita de forma colorida.
*Você não pode parar o ritmo (título de uma das músicas do filme)
*Você não pode parar o ritmo (título de uma das músicas do filme)
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