segunda-feira, 13 de outubro de 2008

ENTRE A DOR E O AMOR

*Ellza Souza

A tarde amena desse domingo dava a impressão de que a vida é sempre bela e pacata. Para aproveitar o momento de paz eu e minha irmã fomos à casa da mamãe em um bairro de classe média da cidade de Manaus. Quando encostamos na frente de sua casa, senti uma certa tensão no local. Os vizinhos na calçada chamaram e contaram que estava havendo um problema na casa ao lado. Realmente ao desligar o carro ouvimos barulhos de coisas se quebrando, gritos, tristeza. Fomos, eu e minha irmã, oferecer ajuda aos vizinhos. A cena que vimos nos deu uma enorme vontade de chorar. Mas naquele momento precisávamos ser forte e oferecer nosso apoio e solidariedade. Um jovem de 24 anos estava simplesmente destruindo tudo o que tinha em casa. E quebrando as vidraças, incontrolado e desesperado. Os pais olhavam sem forças para intervir. O irmão segundo soube estava trancado no quarto pois o rapaz culpa pai e o irmão por algumas de suas desgraças. Ouvi ele dizer que o pai não lhe dava dinheiro, não fazia nada por ele. Um casal de vizinhos chegou e conseguiu acalmar o menino.

Um menino mesmo, que pedia ajuda, berrava para se livrar daquele desespero que estava sentindo naquele momento. Era latente o sofrimento, o conflito que se forma na cabeça de um viciado em drogas. A polícia chegou chamada por algum vizinho incomodado e amedrontado com o barulho mas eles se retiraram após algumas explicações. Uma das acusações aos pais é que eles atendiam os traficantes que o procuram na sua casa para passar a droga. E que ele já sem forças não tem mais como negar a oferta. Após a fúria dentro de casa ele se acalmou um pouco e sentou num banco no pátio de sua casa. Demos água com açúcar e café forte. O pai ainda quis trocar acusações com o filho mas pedimos que ele não fizesse isso para não aumentar aquele desespero tão latente daquele jovem. Ao redor pedaços e cacos de coisas. Sujeira pra todo lado. Cachorro pelo meio também zonzo com a confusão. O jovem, só pele e osso, sujo, fedorento, cabelos desalinhados, movimentos contínuos de tensão, implorava por socorro aos que estavam ao seu redor. Em alguns momentos pedia desculpas, em outros dizia odiar o pai e o irmão e amar sua mãe. Ela é a única que lhe arranja um dinheirinho para o consumo da desgraça. A mãe diz que lhe dá algum dinheiro para ele não ir roubar dos outros.

Ele está nesse ponto. Rouba em casa (já roubou tudo o que tinha de valor), rouba na rua, é completamente manipulado pelos marginais. Seu pai conta que tem problemas graves de depressão pois sofreu alguns revezes da vida e ficou com sérios problemas financeiros. Perdeu tudo o que tinha. Sua bela casa hoje está na mais completa deterioração. Sem trabalho, doente e com mais de sessenta anos, não consegue mais arranjar uma ocupação. A esposa cuida de tudo em casa e ainda arranja uns bicos para a sobrevivência de todos. Fiquei chocada com o que vi. E me veio à memória o que passei na casa da minha mãe há muito tempo quando o meu irmão aprontava coisas desse tipo. Nesses momentos não sabemos como intervir, como ajudar, como falar, como sofrer menos e acalmar quem se encontra no auge da agonia.

Essa é uma situação comum no cotidiano de muitas famílias. Estamos deixando a bandidagem se apoderar da vida de nossos jovens. O que está acontecendo com o vizinho pode vir a acontecer com qualquer um e precisamos oferecer ajuda. Denunciar. Forçar as autoridades a investirem corretamente as verbas públicas com saúde, educação, transporte, lazer e prevenção das drogas. Não podemos ficar calados diante desse genocídio que acontece diante da gente e fazer de conta que não existe. Cada um faça uma reflexão e descubra como fazer a sua parte. A omissão é uma alternativa que derruba todos os princípios da ética e da solidariedade humana.

*Ellza Souza é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas, Escritora e Roteirista.

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