Ciência comprova aquilo que o mito dizia há muito tempo, no entanto a caça predatória vem ameaçando os botos da Amazônia.
Foto: BBC/Brasil
Por Luiz Guilherme
Pesquisadora dos botos há mais de dez anos, a bióloga Vera da Silva do Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (Inpa) fez uma descoberta científica que confirmou aquilo que o mito sempre propagou: o boto é um animal romântico e sedutor. Juntamente com Tony Martin, pesquisador do Bristsh Antartic Survey, Vera observou que os golfinhos da Amazônia tentam fisgar o coração de uma fêmea com “presentinhos” como pedaços de pau, argila e mato. Em princípio, pensou-se que o fenômeno era apenas mais uma brincadeira de botos jovens, porém, depois de um tempo de observações, constatou-se que os machos adultos apresentavam esse tipo de comportamento. Aliás, o estudo, desenvolvido na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Mamirauá, no município de Tefé (a 523 quilômetros de Manaus), sugere que os botos que cortejam as fêmeas são aqueles que conseguem se tornar pais. A pesquisa foi apresentada no final do ano passado numa conferência sobre mamíferos marítimos na África do Sul.
Saltando sozinhos ou em duplas pelas águas da bacia do rio Amazonas, os botos sempre encantaram os turistas e mexeram com o imaginário dos ribeirinhos. Existem duas espécies na Amazônia, o vermelho (Inia Geoffrensis), conhecido também como boto cor-de-rosa, e o cinza (Sotalia Fluviatilis) ou tucuxi. Eles são lobos (aquáticos) solitários. Normalmente os que nadam em duplas são mãe e filho. Não são apegados à idéia da tribo fixa e só se juntam para se alimentar e, é claro, se acasalar.
A reprodução do boto costuma ocorrer quando o rio começa a encher, e os filhotes nascem depois de 11 meses, quando o rio está secando. A fêmea só tem um por vez e só terá outro após três anos. Todos nascem na cor cinza, medindo de 85 a 90 centímetros, pesando de nove a 13 quilos, e vão clareando conforme se desenvolvem. Apenas os botos machos bem velhos ficam totalmente rosados. O vermelho é o maior. Machos adultos medem 2,5 metros e pesam cerca de 180 quilos. O tucuxi mede 1,5 metro quando adulto.
A fama de sedutor vem de longe. O boto é o protagonista de um mito popular na Amazônia brasileira. Diz a lenda que ele, em noites de festas, sai da água transformado num belo rapaz de terno branco e chapéu, para esconder o orifício na cabeça, por onde ele respira. Bom dançarino e sedutor, conquista logo a moça mais bonita da festa. Leva-a para a beira do rio e... Os mais céticos sempre disseram que a lenda é só um argumento das mocinhas para justificar uma gravidez não planejada e para esconder namoros proibidos. Porém, até hoje é comum nas comunidades mais distantes chamar de “filho do boto” aquela criança que ninguém sabe quem é o pai. Por causa da lenda, o golfinho da Amazônia sempre foi visto como animal sedutor. É comum encontrar nos mercadões os olhos e a genitália do animal, para servir de amuleto para conquistar a pessoa amada. “Isso é mais comum no Pará”, conta a pesquisadora Vera da Silva.
Mesmo longe das narrativas míticas eles não deixam de ser encantadores. Brincalhões, como seus primos do mar, os botos seduzem qualquer um que anda de barco pelos rios amazônicos. É impossível não ficar um bom tempo observando-os quando eles começam a se exibir, geralmente no amanhecer e no entardecer. Mesmo assim, as famílias ribeirinhas sempre preferiram manter os botos vermelhos bem longe de suas casas. Melhor para ele. O mito ajudou na preservação e evitou que o golfinho de água doce tivesse o mesmo destino que o peixe-boi: a quase extinção. Não é por acaso que a população de botos é maior na Amazônia, o único lugar do mundo onde esse animal permanece preservado.
Mas nem tudo são vitórias-régia. O dinheiro vem desmistificando o boto e aos poucos ele tem se tornado alvo de pescadores. Desentendimentos entre homem e boto sempre houve. É comum pescadores matarem o boto por vingança, porque ele costuma danificar suas redes de pesca à procura de peixes. Ultimamente o golfinho da Amazônia tem sido caçado também para servir de isca para a pesca da Piracatinga (Calophysus Macropterus), popularmente conhecido como peixe urubu, espécie de bagre muito popular na Colômbia e que é vendido pelo preço de R$ 0,40 a R$ 1,00 o quilo. Segundo Vera, estima-se que 150 botos são mortos por ano apenas para servir de isca. Com essa prática, a população de golfinhos da Amazônia começou a cair na região do Alto Solimões, no município de Fonte Boa (a 665 quilômetros de Manaus), por exemplo, onde há famílias que tiram o seu sustento pescando piracatingas.
Se a matança continuar nesse ritmo, o número de botos diminuirá consideravelmente na Amazônia brasileira, porque, assim como seus vizinhos, peixes-boi, os golfinhos da Amazônia demoram a se reproduzir. Vivem cerca de 45 anos e demoram a ficar maduros para gerar descendentes. Os machos têm de esperar ficarem fortes o suficiente para enfrentar a concorrência e tentar conquistar uma fêmea, que atinge a maturidade sexual aos sete ou oito anos de idade.
Felizmente nossos rios ainda estão cheios deles. Porém, as autoridades brasileiras precisam tomar uma atitude antes que seja tarde demais. Inicialmente, deve haver uma conscientização dos pescadores sobre o tamanho do prejuízo que é matar um boto, seja lá qual for o motivo. Feito isso, a natureza se encarrega do resto: os botos machos cortejando as fêmeas a fim de garantir a futura geração e não correr o mínimo risco de extinção. E que o boto não seja apenas um ícone folclórico, mas, ao lado do peixe-boi, seja também símbolo da preservação dos animais Amazônicos.
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