* Ellza Souza
As embarcações encostavam na beira do plácido rio. Os viajantes vindos do interior do Amazonas, a negócios ou a passeio, subiam uma pequena elevação, passavam na pracinha e entravam na bela igreja para agradecer a boa viagem. Era assim há muito tempo. Hoje subindo essa mesma elevação parei à procura da pracinha. O que vi foi um emaranhado de gente feia, não no sentido de pobre mas no sentido de mal educados que procuram sempre o mais fácil para ganhar o seu pão. Não consegui entender a praça. As pessoas montavam umas barricadas com ripas e uns plásticos pretos que se emendavam e cobriam alguma coisa que não consegui detectar. Observei também que alguns homens subiam numa das centenárias árvores do local colocando por entre os seus galhos umas tábuas. Uma esculhambação. Pessoas e coisas se espalhavam na pracinha. Nesses momentos não consigo deixar de perguntar. Onde estão as autoridades encarregadas de zelar pela cidade, pelos locais públicos, pela segurança do cidadão.
Pelo que observei nas redondezas da praça acho que aquela movimentação esquisita de gente e coisas deve ser a pirataria de cds e sabe-se lá o que mais. O Berg reina a um real. Coisas como “senta que é de menta”, “chupa que é de uva” ecoam não se sabe vindo de onde e martirizam os ouvidos que não estão moucos. Ainda, porque com tanta poluição não vão resistir muito tempo. Como botar na cabeça de um ser desses que pessoas inescrupulosas usam as suas carências para reduzi-lo à condição de malfeitor e cada vez mais pobre. E como explicar aos clientes que não adianta reclamar da violência pois ao comprar um cd pirata se transforma em coadjuvante de sua própria desgraça.
O bairro dos Remédios é um dos mais antigos de Manaus. Só perde para a Matriz e São Vicente. Ao redor da ex-pracinha e da linda igreja a colônia árabe se instalou com seus comércios e residências. Quantas histórias de luta, de trabalho, de amores estão impregnadas naquele local. Naquelas casas, naquele templo de oração, naquelas calçadas. Tudo mudou como é normal mudar uma cidade, uma igreja, uma praça. Mas mudar para melhor. Evoluir com categoria. E não regredir para o último grau que a ignorância humana pode alcançar. E sair depredando os monumentos, a história, a sua própria dignidade. A sociedade e os governantes estão moucos e cegos. Não reagem a mais nada. Salve-se quem puder.
* Ellza Souza é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Escritora e Roteirista.
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