terça-feira, 21 de outubro de 2008

VIDA SEM ÁGUA

*Ellza Souza

Depois de um dia exaustivo de trabalho, reuniões e muita movimentação na rua sob um calor insuportável, a Maria chegou em casa sonhando com um reconfortante banho. Ao abrir a primeira torneira nada escorreu. Ela pensou logo que a água estava cortada. Quando os filhos começaram a chegar, sedentos por água também, a coisa foi tomando proporções desesperadoras. Realmente não havia água. A essa altura, os cheiros do seu corpo estão no ápice. No seu rosto afogueado daquele dia constam camadas de suor, poeira, fuligem, fora a maquiagem que se mistura a tudo isso. “A vontade de passar uma água no rosto é grande demais”, diz Maria. O jeito é dormir daquele jeito mesmo. Com o leite de rosas ela tirou camadas de sujeira do rosto já que não dava para limpar todo o corpo com essa técnica.

Pela manhã Maria achou que tudo tinha sido um sonho. Nunca faltou água no seu prédio. Foi em direção às torneiras. Nada. Nem uma gotinha pra remédio. E o banho para um novo dia de batente? O fresco começo do dia não impediu sua extrema necessidade de tomar banho. O suor já se solidificou, secou no corpo com a sujeira e resultou num “pixé” difícil de descrever. Não tem água pra nada. A louça começa a transbordar na pia. O banheiro, não a parte que se toma banho mas a outra por onde escoam os nossos detritos, começam a “perfumar” o ambiente. O apartamento de Maria é pequeno e tudo fica exacerbado. Maria descobre que houve um problema geral. Sua água não tinha sido cortada. Menos mal.

O jeito era parar e fazer uma reflexão de vida sem esse precioso líquido que teimamos em extirpar da face da terra, ao poluirmos as fontes, os igarapés, os rios e os mares. Por exemplo na minha terra onde não tem mais palmeiras, também não tem mais os igarapés que cortavam toda a área central da cidade de Manaus e que davam beleza e harmonia ao lugar. Será que a única solução encontrada pelo homem para urbanizar uma cidade começa sempre pelo aterro dos mananciais, de seus igarapés? Dá tristeza ver que as águas negras que circundavam o antigo palácio que já foi sede de governos, não existem mais, foram completamente compactadas por toneladas de barro. Isso por quem deveria zelar pela natureza, pela vida que vem da água.

O dia foi passando e Maria definhava de preguiça num sofá. Aquela sujeira toda, o calor, o cansaço, tudo se acumulava num corpo exaurido e dava uma lerdeza, uma incapacidade de se mexer. “Sem um banho não dá para trabalhar”, conclui ela. Quem agüenta o cheiro e o mau humor? E na torneira nada de água. Ela sente falta do barulho da água sendo desperdiçada nos longos banhos da manhã vindo da vizinhança. Água, por favor, água...

* Ellza Souza é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas. Roteirista e Escritora.

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