Luiz GuilhermeNo dia 23 de maio morreu aquele que era considerado uma referência ética na política brasileira, o senador Jefferson Péres. Nós, que lutamos por um país mais justo, mais digno de viver, onde a desigualdade social não seja tão abismal como é, nos sentimos vazios, órfãos. Sentimos-nos sem opção, sem referência, afinal, Péres é uma daquelas pessoas que nos impedem de generalizar e chamar a classe política de corrupta para baixo, coisa que, sem ele no Senado Federal, vai ser difícil. O Amazonas sentiu, o Brasil sentiu. A repercussão foi grande e as homenagens também.
Nunca vimos Jefferson Péres carregando criancinhas no colo. Nunca o vimos apresentando um programa de rádio ou de entrevista, nem um talk-show e muito menos um programa assistencialista-policialesco. Nunca posou de super-herói, salvador da pátria ou provedor dos necessitados. Sua única participação na mídia eram seus artigos publicados semanalmente no jornal A Crítica, um espaço que ele usava para discutir temas que estavam sendo a “bola da vez” na imprensa. Mesmo não usando a mídia como trampolim político, ele conseguiu se eleger vereador e senador duas vezes. Seu zelo pela ética na política brasileira logo chamou a atenção e reforçou a máxima de que no lixeiro é possível brotarem flores. Exemplo de político. Modelo de político que, pelo visto, é rejeitado por boa parte dos nossos representantes atuais.
Os “irmãos coragem”
Por falar neles, em agosto o show vai começar; ou melhor, a preparação para o grande “espetáculo” começa muito antes. Nas nossas TVs, para ser mais preciso. Se Péres não precisava usar artifícios midiáticos para se eleger, os atuais e aqueles que almejam exercer um cargo público, usam e abusam. A programação local das rádios e TVs amazonenses estão cheias de super-heróis: homens e mulheres que usam seu espaço na mídia para seduzir os ignorantes. São como as sereias, mas ao invés de seduzir com o seu canto, seduzem com seus discursos. E não há arma mais eficaz para hipnotizar o maior número de eleitores que as ondas do rádio e os sinais da TV, dois meios poderosos, capazes de anestesiar qualquer vestígio de senso crítico da massa. Também são dois veículos perfeitos para fabricar mitos, personagens mascarados, que escondem a verdadeira identidade, ou melhor, suas verdadeiras intenções.
Esse tipo de político não é fruto do século XXI. Outros já pisaram nessa “lua”, e aprenderam uma fórmula velha, porém, eficaz: carisma, boa oratória e, sempre na sua fala, tocar em assuntos ligados ao social, como emprego, por exemplo. Getúlio Vargas (1882-1954) é um exemplo clássico. Governou nosso país nas décadas de 1930 e 1940 e implementou leis sociais e trabalhistas. Resultado: ganhou o codinome de “pai dos pobres”, rótulo que até hoje lhe acompanha nas enciclopédias e livros didáticos dos ensinos fundamental e médio. Até José Sarney, na década de 1980, ostentava o seguinte lema no seu governo: “Tudo pelo Social”, que, mesmo sendo uma “fórmula milenar”, é seguida fielmente pela nova geração de políticos.
Não tem para onde correr. Onde você sintonizar, lá estarão. São líderes de audiência nos seus horários. Os irmãos Carlos Souza, Wallace Souza e Fausto Souza, os irmãos coragem, apresentam há muitos anos o Canal Livre, uma espécie de delegacia eletrônica. Lá enfrentam traficantes, mostram o sofrimento alheio, tiram sarro dos criminosos detidos e distribuem camas, colchões e materiais de construção, além de esfihas àqueles que ficam desde cedo na porta do estúdio em busca de ajuda e que compõe seu auditório, de onde vêm os aplausos entusiasmados a cada discurso dos apresentadores. Carlos e Wallace atualmente são deputados. O único que ainda não exerce cargo público é o empresário Fausto Souza, mas, é uma questão de tempo.
“Quero agradecer, futuro vereador”
Só para se ter uma idéia da popularidade dos irmãos (que apresentavam o Canal Livre na TV Rio Negro, atualmente na TV Manaus), quando Carlos se candidatou a vereador em 2000, conseguiu se eleger com uma votação recorde. Fausto não ficou atrás e tentou se eleger vereador nas eleições de 2004, porém, não ganhou. Pudera, a concorrência estava acirrada, pois três apresentadores, também muito populares, haviam se candidatado: Mirtes Salles (repórter e apresentadora substituta do “Exija seus Direitos”, cujo apresentador titular, Marcos Rota, é deputado), Conceição Sampaio (apresentadora do Câmera 13) e Sabino Castelo Branco (apresentador do, na época, “Bronca na TV”), que devido aos seus comentários à Datena conseguiu também, além de uma audiência arrebatadora, tanto no rádio quanto na TV, uma votação recorde na capital. Detalhe: todos os três eram colegas de emissora. Com tanta opção assim no mercado, um tinha que rodar. Sobrou para Fausto. Entretanto, ele tentará novamente nas eleições deste ano.
Na mesma linha do “Canal Livre” está o “Programa Sabino Castelo Branco”. O apresentador Sabino, agora deputado federal e que almeja ser prefeito de Manaus, assim como os irmãos coragem, mudou de emissora, mas, continua enfrentando traficantes de peito aberto e, é claro, distribui algumas “coisinhas” como é de lei, só não dá esfiha. Ah, e ele ainda dedica um bom tempo de seu programa para falar mal do atual prefeito, que derrotou seu candidato nas eleições municipais de 2004. O uso do seu programa como palanque eletrônico é tão explícito que chega a ser pornográfico.
O pior é que esse tipo de político (cuja TV Rio Negro fabrica aos montes) são como os Gremilins - multiplicam-se rapidamente. Sabino, quando tem compromissos em Brasília, deixa o seu filho no comando do programa. Um jovem que pelo jeito vai seguir os passos do pai. Certa vez assisti a uma cena de dá nó no estômago. Numa das edições do programa, uma mulher humilde estava agradecendo a ajuda que recebera. Ela, além de dizer, entusiasmada, que era eleitora fiel de Sabino, disse o seguinte para o “Sabininho”: “... Também quero agradecer a você, futuro vereador”. Ele esboçou um sorriso amarelo. Mas é isso aí. Para se candidatar é “daqui pra li”. Talvez este ano mesmo ele já estampe camisas, santinhos e chaveiros, e apareça no horário eleitoral jurando amor eterno ao povo.
Vontade do povo
Outros programas como “Câmera 13”, “Fogo Cruzado” e “Exija seus Direitos” escolheram o assistencialismo como seus carros-chefes. Os três continuam na TV Rio Negro, dando para receber depois, nas urnas. Conceição Sampaio já conseguiu; Mirtes Salles também; o deputado Marcos Rota, apresentador oficial do Exija já colheu os frutos há muito tempo; Henrique Oliveira, filho do também político e apresentador Nonato Oliveira, em breve “estará em cartaz”; aliás, não é qualquer um que consegue enfeitar tão bem os momentos assistencialistas do seu programa. Ora ele aparece fazendo cimento para alguém beneficiado com uma reforma na sua casa, ora assa um churrasquinho para o indivíduo que ganhou um carrinho do programa para trabalhar.
Tudo mostrado em bons ângulos, com direito a imagens em preto e branco e uma tocante música gospel de fundo. Por falar nela, a música “Restitui”, da banda evangélica “Toque no Altar”, tão explorada por ele, talvez embale sua campanha, assim como a música “Braços de ferro e punhos de aço...” Foi a música-tema da campanha de Sabino Castelo Branco em 2004.
Enfim, poderia passar um bom tempo escrevendo sobre todos os programas estilo palanque eletrônico. E isso não é exclusividade da TV Rio Negro (embora ela seja referência na fabricação desse tipo de político), pois as outras não ficam atrás. O vereador Braz Silva apresentou durante muito tempo o “Ponto Crítico”, um dos principais programas da "TV A Crítica". Caso semelhante foi na TV Amazonas. O vereador Elias Emanuel era apresentador do telejornal “AM TV primeira edição”. Ambos não distribuíam ranchos. Apenas davam espaço para a população falar. Porém, eles usaram a sua popularização para fins eleitoreiros.
Vale destacar que a audiência fiel desses programas é composta pela maioria esmagadora de pessoas pobres. E através de seus “atos heróicos” prendem, principalmente os beneficiados, numa corrente invisível. Eles votam cegamente nesses políticos-apresentadores, como se fosse a sua última esperança. E quando são eleitos, alguns dizem àqueles que os criticam que foi feita a vontade do povo. Sim, é bom lembrar que foi uma “vontade” cega. É o voto do cabresto do século XXI, só que mais sofisticado.
“A hora do voto”
Se dependesse do número de justiceiros e provedores nos representando, Manaus já havia resolvido todos os seus problemas. Afinal, no discurso deles, resolver certos problemas é facílimo; cobram atitudes imediatas do governo, e quando estão lá, seja na Câmara dos Vereadores ou em Brasília, não mostram aquela força (embora seja mitológica) que mostram na frente das câmeras.
Nem a mídia impressa escapa de ser usada para fins eleitoreiros. Em 2005 surgiu nas nossas bancas o Correio Amazonense, cujo patrono era o ex-governador Amazonino Mendes. O jornal sacudiu o mercado dos impressos; em apenas um ano de existência tirou o segundo lugar do jornal Diário do Amazonas e começou a incomodar o tradicional periódico A Crítica. Foi um jornal ousado enquanto durou. Catou todos os melhores profissionais da cidade com promessas de salários altos.
Mas, Amazonino perdeu as eleições para o governo do estado em 2006 e, consequentemente, o jornal afundou. Jornal cuja finalidade era, claramente, caso Mendes se elegesse, ser um diário oficial mais bonitinho, com boas fotografias e uma diagramação interessante. Outro que já entrou em extinção foi o jornal O Estado do Amazonas, da família Garcia, também proprietária da TV Rio Negro, a fábrica de mitos. Foi útil enquanto durou. Para eles. Tanto que a atual deputada federal Rebeca Garcia, que tinha uma ligação direta com o jornal, publicou um artigo na véspera das eleições do primeiro turno em 2006 com o sugestivo título de “A Hora do Voto”. Mesmo a mídia impressa não escapando desse tipo de uso, a eficácia continua pertencendo aos meios eletrônicos.
Lado coca-cola da hipocrisia
Talvez para mostrar serviço, mas o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) durante a campanha proíbe os candidatos de aparecerem na TV comandando seus programas, é claro. Todavia, é inútil, porque o político-apresentador teve dois ou três anos na mídia, tempo suficiente para criar um mito e capturar eleitores ingênuos, usando seu espaço como uma verdadeira propaganda eleitoral privilegiada e extensa - afinal, uma, duas ou três horas diárias na TV é tempo suficiente para influenciar muita gente.
Realmente, políticos como Jefferson Péres correm o sério risco de entrar em extinção. E o pior, boa parte dos brasileiros já estão acostumados com isso. No fórum de discussão no site do jornal O Globo, no meio de tantas homenagens, uma mensagem chamou atenção. Um internauta escreveu: “O que Jefferson fez de importante?” Indagava. A declaração ignorante refletiu bem o perfil do eleitor brasileiro: político só é louvado quando manda construir obras monumentais e distribui ranchos, telhas e dentaduras; e que é adepto da afirmação burra do "rouba, mas faz". Se não faz isso, pouco importa se o político tem consciência da importância que é representar o povo ou se zela pela ética.
Entre seguir o caminho estreito, percorrido por Péres, os “super-heróis” preferem um caminho largo chamado “espaço na mídia”, onde suas boas ações são vistas e ouvidas por milhares de pessoas que, nas eleições, não os tratam como mais um candidato, mas como “o candidato”. Sinceramente, isso sim é o lado coca-cola da hipocrisia.
Publicado também no Observatório da Imprensa